quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A tragédia em Santa Maria deixou todas as mães de luto

Há uma extensa estrada a percorrer para que um filho se torne um homem e uma filha, uma mulher. Em Santa Maria, perdeu-se duplamente passado e futuro. É impossível não projetar: poderia ter sido conosco. Até quando?

Se alma descansa, a minha está insone desde domingo, vagando comigo cheia de tristeza pela tragédia na boate Kiss em Santa Maria (RS). Eu tenho consolá-la, mas ela está conectada às almas de todos os familiares, amigos, gaúchos e brasileiros que nesta hora sofrem a mesma dor e padecem igual perplexidade pela perda de tantas e tão jovens vidas. Como ser mãe e sobreviver a isso?

Você dá à luz um filho, uma cópia aperfeiçoada de si mesma, obra-prima única de um amor que se tornou tangível. Você o amamenta com a sua seiva milagrosa, nutre de carinho, compreensão e pacientes ensinamentos. Tempera com risadas, troca de olhares, beijos. Embala nos balanços das pracinhas e em abraços eufóricos nas pequenas conquistas do dia a dia. Cúmplices, dão-se as mãos nas dificuldades, unha e carne. Aprendem juntos. Erram também. Perdoam-se. Ele é tão perfeito e cresce tão rápido!

Às vezes é difícil acreditar que foi você quem o fez, que já habitou o seu ventre como um órgão pulsante. Onde começava ele e terminava você? Seu filho respirava através do seu eu e agora tira o seu fôlego. E faz gol de placa, vira cambalhota, decora a tabuada, derrama suco no sofá. Teima em pintar a sobrancelha de verde, tem medo de tomar vacina. E quando menina faz trancinhas, se menino dá nó no cabelo da irmã. Eita vontade de rir, afe vontade de chorar. Haja santo para tanto desconjuro, que criançada impossível.

Na escola da vida, o beabá do amor é você quem ensina. Seu filhote sabe ler e você a ele. Uma década de convivência torna possível falar sem palavras. E a árvore não para de encompridar. Agora ele quer sair sozinho com a turma, sonha com o primeiro carro e passou do pai no tamanho. Ela pede salto bem alto no baile de debutantes, vive aos cochichos com as amigas, suspira pelos cantos. E vêm as baladas, as noites de vigília, os namoros e você se enamora de cada fase. Quando precisa acompanha à distância, quando não precisa, também.

Finalmente, chega o vestibular. Orgulho da família, ele passa. A vida feito um filme, você repassa. E quando enfim seu trabalho está findo, o casulo aconchegante e protetor se rompe e a lagarta antes tão sua se liberta para seguir o próprio rumo, prestes a voar em revoada por ter se tornado a linda borboleta que você cultivou, eis que um incêndio no campo, um devastador ato de irresponsabilidade consome as flores, as raízes de tudo o que se plantou e regou com sacrifício e amor incondicional, queima o que antes era futuro, derrete a ordem natural das coisas e dissolve impiedosamente o seu coração.

No lugar da revoada vitoriosa das borboletas calouras faz subir aos céus uma extensa fumaça negra que a tudo asfixia e apaga. A música cessa. O riso petrifica. A esperança é pisoteada. O campo florido e cheio de cores padece antes do sol nascer no horizonte. Lágrimas tentam apagar o fogo em vão. O mal está feito. A incredulidade reina. No peito de uma mãe só resta fuligem. E o cheiro de uma lembrança que nunca, nunca mais vai embora.

Há uma extensa estrada a percorrer para que um filho se torne um homem e uma filha, uma mulher. Em Santa Maria, perdeu-se duplamente passado e futuro, o que foram e o que estavam prestes a se formar todos aqueles jovens. Filhos de suas mães, nossos também. É impossível não projetar: poderia ter sido conosco. E poderá ser se não lutarmos por mudanças. Se não exigirmos o cumprimento absoluto das normas de segurança nos estabelecimentos que frequentamos. Em cada minuto vive-se uma vida. Uma vida perde-se num minuto. Até quando?
Fonte: Internet

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